Guarda compartilhada à distância: convivência real ou ficção jurídica?

Por: Anderson Lessa

A guarda compartilhada foi elevada à regra no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Lei nº 13.058/2014, cujo propósito é assegurar o pleno exercício da parentalidade por ambos os genitores, independentemente da convivência conjugal.

Contudo, a aplicação prática da guarda compartilhada ainda enfrenta desafios, especialmente quando os pais residem em cidades ou estados distintos — situação que parece, à primeira vista, incompatível com a corresponsabilidade parental.

Essa percepção, embora comum, tem sido superada por decisões judiciais progressistas que reconhecem que a distância física não impede, por si só, o exercício conjunto da autoridade parental.

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou esse dilema de forma clara no REsp 1.878.041/SP, julgado em 25/05/2021 pela Terceira Turma, com relatoria da Min. Nancy Andrighi. O acórdão firmou o entendimento de que a guarda compartilhada é possível mesmo com domicílios distantes, desde que seja viável sob a ótica do interesse da criança.

No referido caso, mesmo com os pais vivendo em cidades diferentes, a Corte Superior entendeu que a guarda compartilhada deveria ser mantida, pois ela assegura a participação efetiva de ambos os genitores nas decisões relevantes da vida da criança.

A decisão enfatizou que guarda compartilhada não exige divisão igualitária de tempo de convivência, mas sim o envolvimento conjunto nas responsabilidades parentais — como saúde, educação, religião e orientação moral.

O STJ reforçou que a guarda compartilhada “é regra legal, e sua não aplicação exige fundamentação robusta que demonstre prejuízo à criança” (REsp 1.878.041/SP, DJe 31/05/2021).

O avanço tecnológico tem permitido que pais ausentes fisicamente participem ativamente da vida dos filhos por meio de videoconferências, plataformas escolares digitais, aplicativos de organização parental e redes sociais.

Em fevereiro de 2023, o STJ reafirmou essa lógica mesmo em contextos internacionais. Ao julgar o caso de uma mãe que se mudaria com o filho para a Holanda, a Terceira Turma reconheceu que a guarda compartilhada pode subsistir mesmo quando um dos pais reside em outro país, desde que seja possível manter a comunicação e a convivência por meios digitais e encontros presenciais planejados.

Essa decisão (sem número divulgado na ementa pública) destacou que a criança não pode ser privada da convivência afetiva e da influência educativa de ambos os pais em razão da distância física.

A jurisprudência do STJ caminha, portanto, para uma compreensão funcional da guarda compartilhada, focada na corresponsabilidade e não na logística territorial.

Na prática, os tribunais têm admitido soluções como: convivência mais extensa nas férias e feriados, divisão dos custos com transporte da criança, e comunicação virtual frequente, sem prejuízo da fixação de domicílio principal.

Essa abordagem exige flexibilidade, diálogo e boa-fé entre os genitores, sendo altamente recomendável a atuação de advogados com formação em práticas colaborativas e mediação familiar, capazes de construir acordos duradouros e adaptáveis.

Cabe destacar que mesmo na guarda compartilhada o juiz pode estabelecer a residência da criança com um dos genitores, o que viabiliza a logística escolar e de cuidados, sem comprometer a corresponsabilidade.

O argumento de que a distância inviabiliza a guarda compartilhada muitas vezes parte de uma visão equivocada, que confunde guarda com convivência física.

Embora o deslocamento frequente da criança possa ser contraproducente, o modelo compartilhado pode ser estruturado com estabilidade domiciliar e alternância qualificada — e não aritmética — no convívio.

O papel do Judiciário, nesse cenário, é assegurar que os acordos ou decisões judiciais privilegiem o melhor interesse da criança, sem favorecer confortos individuais dos pais.

Importa menos a quilometragem entre os lares e mais o compromisso de presença afetiva, de escuta, de participação na vida escolar e emocional da criança.

A imposição de guarda unilateral sem justificativa concreta pode resultar em esvaziamento do vínculo parental e até configurar risco de alienação, com impactos emocionais de longo prazo.

Por tudo isso, a guarda compartilhada entre pais que vivem em cidades diferentes é não só viável, como desejável, sempre que houver maturidade, diálogo e comprometimento com a parentalidade responsável.

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