Acessibilidade em hotéis: além de obrigação, um diferencial estratégico

A acessibilidade em hotéis não é apenas cumprimento de lei: é respeito, inclusão e diferencial competitivo. Adequar quartos, rotas, banheiros e comunicação significa proteger o negócio contra multas e ações judiciais, mas sobretudo abrir portas para todos os hóspedes — porque cada rampa, cada sinalização e cada adaptação é também um convite para que mais pessoas escolham estar ali.

Imagine essa cena: um hóspede com mobilidade reduzida chega ao hotel, mas descobre que não há rampas adequadas na entrada, o chuveiro adaptado está inacessível ou o elevador não serve o quarto acessível oferecido. Além da frustração, o hotel pode enfrentar indenizações — financeiras, de reputação e operacionais. A boa notícia é que existe legislação clara, decisões judiciais crescentes, e oportunidades de se destacar no mercado com acolhimento real.

BASE LEGAL

Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (“LBI”), também conhecida como Rstatuto da Pessoa com Deficiência – Lei Federal nº 13.146/2015

– Estabelece que todas as pessoas com deficiência têm direito à igualdade de oportunidades, autonomia, participação social e respeito.

– Define acessibilidade (art. 2º) como “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos, transportes, informação e comunicação…”.

Decreto Federal nº 9.296/2018

– Regulamenta o art. 45 da LBI, dispondo sobre acessibilidade em hotéis, pousadas e estabelecimentos similares.
Estabelece cronogramas de adequação segundo data de construção/ampliação/projeto arquitetônico, percentual mínimo exigido de dormitórios acessíveis etc.

• Norma ABNT NBR 9050/2015

– Define critérios técnicos para acesso, circulação, instalações sanitárias, comunicação, sinalização, rampas, pisos táteis etc. Até quem já era construído antes pode depender dessas regras para adequações.

O QUE É PRECISO FAZER?

Para estar em conformidade e evitar litígios, hotéis devem observar vários requisitos práticos.

• Projetos novos / obras novas

Todo projeto arquitetônico protocolado a partir de 3 de janeiro de 2018 deve estar integralmente adequado às normas de acessibilidade e isso inclui: quartos adaptados em número proporcional à capacidade do hotel; rotas acessíveis desde a entrada até os quartos; comunicação inclusiva.

• Edifícios existentes / construções antigas

Hotéis construídos até 29 de junho de 2004 tiveram prazo ampliado pelo Decreto nº 11.303/2022. O prazo para adequação mínima expirou em 03/12/2024.

Obrigação: oferecer ao menos o percentual mínimo de dormitórios acessíveis definido em regulamento.
Isso significa: mesmo estabelecimentos antigos precisam adaptar parte de sua estrutura.

Percentual de quartos adaptados

A legislação exige um número mínimo de dormitórios acessíveis. 1 em cada 20 dormitórios deve ser acessível, até o limite de 5% do total. Exemplo: um hotel com 100 quartos precisa de, no mínimo, 5 acessíveis. Quartos devem estar em rotas acessíveis (não basta adaptá-los em áreas de difícil acesso).

• Rotas acessíveis

Rotas devem garantir acesso contínuo, desobstruído e seguro desde: entrada principal; estacionamento; recepção; áreas comuns (restaurante, salão de eventos, piscinas etc.); quartos acessíveis.

• Exigências técnicas (ABNT NBR 9050/2015):

– Rampas com inclinação máxima de 8,33%;

– Corrimãos em ambos os lados;

– Portas com largura mínima de 80 cm;

– Pisos antiderrapantes e nivelados.

• Comunicação e informação

– Informar nos sites e plataformas de reserva se há quartos adaptados e quais recursos existem;

– Disponibilizar materiais acessíveis (cardápios em braile, alarmes sonoros e visuais, informações em Libras quando aplicável);

– Garantir que recepcionistas saibam informar corretamente os recursos disponíveis;

– Omitir ou induzir o hóspede a erro pode caracterizar propaganda enganosa (CDC, art. 37).

Banheiros adaptados

– Espaço de manobra para cadeira de rodas (1,50m de diâmetro livre);

– Barras de apoio junto ao vaso e chuveiro;

– Bancos articulados ou assentos para banho;

– Box sem degrau;

– Torneiras e chuveiros de fácil manuseio.

• Clientes com deficiência visual ou auditiva

– Piso tátil direcional e de alerta em corredores e entradas;

– Placas com identificação em braile nos quartos e áreas comuns;

– Alarmes visuais (luzes piscantes) para emergências;

– Disponibilização de material em formato acessível (cardápios digitais com áudio, sinalização adequada).

Laudo técnico / vistoria

Hotéis precisam apresentar, em fiscalizações: (i) laudos técnicos de acessibilidade emitidos por engenheiro/arquitetos habilitados; (ii) relatórios de manutenção periódica; (iii) ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) para reformas de adequação.

DECISÕES RECENTES

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem várias decisões — como nos REsp 2041463; REsp 1912548; REsp 1315822; REsp 1349188; REsp 1611915; REsp 1607472 — que reafirmam o direito à acessibilidade, determinam obras de adaptação e garantem indenizações nos casos onde há violação desses direitos.

Tribunais estaduais têm seguido a diretriz fixada pelo STJ, com a condenação de hotéis que não oferecem acessibilidade adequada. Recentemente, no TJDFT foi mantida condenação de hotel que deixou hóspede com deficiência sem acesso adequado.

• Consequências práticas de não se adequar às exigências legais

– Indenizações — dano moral e material para hóspedes que se sintam discriminados ou impedidos de usufruir do serviço;

– Multas administrativas — órgãos fiscalizadores podem autuar estabelecimentos por infrações à LBI, ao regulamento, à norma ABNT etc;

– Bloqueios ou interdição de áreas ou até do hotel, dependendo da gravidade e risco à saúde/s segurança dos hóspedes;

– Imagem — redes sociais expõem falhas de acessibilidade, e isso pode afastar clientes sensíveis. Hoje muitos viajantes consideram acessibilidade critério de escolha.

• Vantagens de estar em dia

– Garantir bem-estar e condições de igualdade às pessoas com deficiência, contribuindo de forma decisiva para a harmonia social e para o fortalecimento do respeito nas relações humanas.

– Diferencial competitivo: hóspedes com deficiência representam um mercado crescente e exigente. Ser bem avaliado nesse quesito significa captar esse público;

– Melhor experiência para todos: acessibilidade também ajuda com idosos, pessoas com mobilidade reduzida provisória etc;

– Menos risco de litígios, de gastos imprevistos com reformas forçadas etc;

– Cumprimento de obrigações legais = segurança jurídica.

CONCLUSÃO

A acessibilidade em hotéis não é algo “a mais” ou “apenas decorativo”: é obrigação legal, questão de dignidade, e hoje, de diferenciação no mercado. Ter um hotel acessível significa revisar do chão ao telhado: do estacionamento ao quarto, da sinalização à comunicação, da estrutura física às informações digitais. E o custo de não fazer isso pode sair muito mais caro — não só em indenizações, mas em reputação e oportunidades perdidas.

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