Energia limpa e conflitos de vizinhança
A energia solar fotovoltaica tem se consolidado como uma das alternativas mais eficientes para redução de custos e sustentabilidade ambiental. No Brasil, o número de sistemas instalados em residências e empresas cresce exponencialmente, favorecido por incentivos regulatórios e pela queda no custo dos equipamentos.
Nos condomínios, contudo, a instalação de painéis solares suscita uma série de questões jurídicas: quem decide sobre a instalação? Como repartir custos e benefícios? É possível instalar apenas para uso próprio? Quais os limites do direito individual frente ao direito coletivo?
Essas dúvidas mostram a necessidade de compreender a interface entre o Direito Condominial (Código Civil, Lei 4.591/1964), a regulação setorial (ANEEL) e a proteção ambiental (art. 225 da Constituição).
Marco legal e regulatório aplicável
Código Civil e Lei dos Condomínios
• Art. 1.335, I, do Código Civil: assegura ao condômino o direito de usar, fruir e livremente dispor de sua unidade. Isso permite a instalação de sistema solar em área privativa, desde que não afete a segurança ou a estética do prédio.
• Art. 1.336, IV, do Código Civil: impõe ao condômino o dever de não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas. Esse dispositivo costuma ser o maior obstáculo jurídico, pois painéis solares podem modificar a estética da fachada ou da cobertura.
• Lei 4.591/1964: prevê que qualquer obra que altere a fachada depende de aprovação da assembleia.
Regulação da ANEEL e legislação energética
• A Resolução Normativa nº 482/2012 da ANEEL (alterada pela REN 687/2015) estabeleceu o sistema de geração distribuída, permitindo que unidades consumidoras instalem micro ou minigeração (até 5 MW) e compensem créditos de energia.
• A Lei 14.300/2022 (Marco Legal da Geração Distribuída) consolidou esse regime, trazendo segurança jurídica para consumidores residenciais e condomínios.
Constituição Federal
• O art. 225 estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incentivando políticas e práticas sustentáveis. A jurisprudência tem reconhecido esse princípio como fundamento para permitir práticas de energia limpa, desde que respeitados os limites da convivência condominial.
Jurisprudência e decisões relevantes
• STJ – REsp 1.411.481/SP: a Corte reafirmou que a alteração de fachada exige aprovação da assembleia, ainda que a obra seja de interesse ambiental. Esse precedente é frequentemente aplicado quando condôminos instalam painéis solares em coberturas.
• TJSP – Apelação nº 1005617-58.2017.8.26.0100: reconheceu que a instalação de placas solares em cobertura exclusiva de condômino, sem aprovação assemblear, caracterizou alteração da fachada.
• TJMG – Apelação Cível nº 1.0000.19.110347-6/001: entendeu que, em casos de energia solar, a estética não deve se sobrepor de forma absoluta ao interesse coletivo de sustentabilidade, admitindo flexibilização quando a alteração é mínima e traz benefícios relevantes.
• Decisões administrativas (ANEEL): reiteram que condomínios podem aderir ao sistema de compensação, desde que respeitadas as regras de rateio e de conexão à rede.
Problemas jurídicos centrais em condomínios
• Decisão coletiva vs. direito individual: o condômino pode instalar em sua unidade privativa, mas em áreas comuns a decisão depende de assembleia, normalmente com quórum de 2/3 dos condôminos (art. 1.341, II, do CC).
• Alteração de fachada: a instalação visível (cobertura, sacada, telhado) exige deliberação coletiva.
• Rateio de custos e créditos: a Lei 14.300/2022 permite que a energia gerada seja compartilhada entre os condôminos. Nesse caso, é necessário definir regras claras no regulamento interno e, em alguns casos, registrar convenção aditiva.
• Responsabilidade civil: se a instalação não seguir normas técnicas (ABNT, concessionária local), o condomínio pode ser responsabilizado por danos a terceiros ou ao sistema elétrico.
• Segurança e manutenção: cabos, inversores e painéis devem seguir normas de segurança elétrica e contra incêndios.
Caminhos para implantação segura e pacífica
• Assembleia condominial: convocar assembleia específica para deliberar sobre o projeto, custos, rateio e estética.
• Laudo técnico: apresentar parecer de engenheiro elétrico/arquitetônico, comprovando viabilidade técnica e segurança.
• Alteração de convenção/regimento: se o condomínio adotar modelo de geração compartilhada, pode ser necessário adaptar a convenção para regulamentar rateio e manutenção.
• Cláusulas de responsabilidade: contratos com fornecedores devem prever garantias, seguros e manutenção preventiva.
• Transparência: apresentar planilhas comparativas de custo-benefício, mostrando como a economia de energia compensará o investimento.
Tendências e perspectivas
• Expansão da energia compartilhada: a Lei 14.300/2022 abriu caminho para que condomínios adotem sistemas coletivos, diluindo custos.
• Valorização imobiliária: imóveis em condomínios com energia solar tendem a se valorizar por reduzirem custos fixos e serem ambientalmente responsáveis.
• Sustentabilidade como critério jurídico: a jurisprudência começa a flexibilizar a rigidez sobre fachada quando há interesse coletivo em práticas ambientais, tendência que pode se consolidar.
• Integração com carros elétricos: no futuro, a energia solar condominial pode abastecer eletropostos internos, agregando novo valor aos empreendimentos.
Conclusão
A instalação de energia solar em condomínios é um tema que reúne direito de vizinhança, sustentabilidade e inovação tecnológica. O grande desafio é equilibrar a liberdade individual do condômino com o interesse coletivo e a segurança jurídica do condomínio.
O atual marco legal (Código Civil, Lei 4.591/1964, Resoluções da ANEEL e Lei 14.300/2022) dá as ferramentas para viabilizar a prática, desde que observados quóruns deliberativos, regras de fachada, responsabilidades contratuais e normas técnicas de segurança.
A tendência aponta para uma maior flexibilização jurisprudencial, reconhecendo que a sustentabilidade e a eficiência energética devem pesar tanto quanto a estética na vida condominial.
Referências: Código Civil (arts. 1.335, 1.336, 1.341); Lei 4.591/1964 (Lei dos Condomínios); Lei 14.300/2022 (Marco Legal da Geração Distribuída); Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012 (alterada pela 687/2015); STJ, REsp 1.411.481/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 2014; TJSP, Apelação nº 1005617-58.2017.8.26.0100; TJMG, Apelação Cível nº 1.0000.19.110347-6/001.



