A decisão do STF no Tema 935 reafirmou o poder dos sindicatos para instituir contribuições assistenciais. Mas até onde vai esse poder? O direito de oposição do trabalhador é cláusula de liberdade — e não pode ser engessado por formalidades que desvirtuem sua essência.
TEMA 935 DO STF
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 935 da repercussão geral (ARE 1.018.459/PR), consolidou entendimento de que é constitucional a instituição de contribuições assistenciais por acordo ou convenção coletiva, inclusive aos empregados não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição.
Essa virada jurisprudencial — conduzida pelo voto do ministro Gilmar Mendes e acompanhada pela maioria do Plenário — marcou uma inflexão histórica. O Tribunal revisitou seu próprio entendimento anterior, que, até 2017, vedava a cobrança a não filiados sob o fundamento da liberdade de associação.
A mudança teve como pano de fundo a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), que extinguiu a compulsoriedade da contribuição sindical, fragilizando financeiramente as entidades de representação. O STF reconheceu que a negociação coletiva, para se sustentar, precisa de instrumentos legítimos de custeio — e a contribuição assistencial, desde que respeitado o direito de oposição, se enquadra nesse papel.
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E DE PERMANÊNCIA SINDICAL
A Constituição Federal consagra, no artigo 8º, inciso V, o direito fundamental de o trabalhador se associar ou não se associar ao sindicato, e de permanecer filiado apenas enquanto desejar. Essa prerrogativa, inserida no rol das liberdades públicas, tem duplo aspecto: a liberdade positiva (de aderir) e a liberdade negativa (de não permanecer vinculado).
Portanto, qualquer mecanismo que imponha contribuições ou restrinja o exercício da oposição fere o núcleo essencial da liberdade sindical. A contribuição assistencial, embora válida em si, não pode se converter em instrumento de coerção ou de permanência forçada, sob pena de reintroduzir, por vias indiretas, a compulsoriedade extinta pela reforma.
DIREITO DE OPOSIÇÃO E SUA FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL
O direito de oposição é a garantia que protege o trabalhador contra a imposição de contribuições não desejadas. Foi exatamente essa cláusula de salvaguarda que levou o STF a modular os efeitos de sua decisão:
“É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.
Na construção dessa tese, o Tribunal reconheceu que o equilíbrio entre o financiamento sindical e a liberdade individual depende da efetividade do direito de oposição. Sem ele, a contribuição deixaria de ser facultativa e passaria a ser compulsória por inércia ou por entraves burocráticos — o que subverteria a ratio decidendi do próprio julgado.
LIMITES AO PODER SINDICAL E PROIBIÇÃO DE RESTRIÇÕES SEM JUSTO MOTIVO
Após o julgamento do STF, diversas entidades sindicais passaram a instituir prazos curtos, exigências presenciais e formalidades excessivas para o exercício do direito de oposição.
Essas práticas, ainda que apresentadas sob a aparência de regularidade, representam uma afronta direta ao conteúdo do Tema 935, que condicionou a constitucionalidade da cobrança à garantia real e efetiva de oposição.
O poder normativo dos sindicatos — ainda que legítimo para regulamentar o procedimento — não pode ser utilizado para inviabilizar o direito em si. A exigência de comparecimento físico, o limite temporal restrito (por vezes de apenas dez dias) e a ausência de meios eletrônicos de comunicação contrariam a realidade social e tecnológica atual e impõem obstáculos desnecessários ao trabalhador.
O avanço digital permite comunicações seguras, rastreáveis e autênticas, como e-mails corporativos, protocolos eletrônicos e formulários digitais. Ignorar essas ferramentas e restringir a manifestação apenas ao meio presencial configura retrocesso e desrespeito ao princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição, e à própria boa-fé objetiva que deve reger as relações sindicais.
O direito de oposição é personalíssimo e contínuo, não se sujeitando a prazos exíguos. O trabalhador pode, a qualquer tempo, rever sua vontade e deixar de contribuir, assim como pode posteriormente decidir contribuir voluntariamente. A vinculação forçada ou burocraticamente dificultada corrompe a essência do livre associativismo que o STF buscou preservar.
CONCLUSÃO
A tese firmada no Tema 935 foi um avanço importante para o equilíbrio das relações coletivas de trabalho, ao reconhecer a legitimidade das contribuições assistenciais.
Contudo, esse avanço não autoriza distorções. O direito de oposição é a pedra de toque que assegura a liberdade individual diante do poder coletivo.
Assim, a instituição de prazos exíguos, formalidades presenciais ou exigências burocráticas para o exercício do direito de oposição é inconstitucional e contrária à própria decisão do STF.
O trabalhador tem o direito de decidir — livremente e sem embaraços — se quer ou não contribuir, e o sindicato tem o dever de garantir meios acessíveis, modernos e eficazes para que essa manifestação seja respeitada. Afinal, liberdade sem acessibilidade é ilusão; e democracia sindical se faz com respeito à vontade individual.



