Redução da jornada de trabalho como mecanismo de prevenção da fadiga e preservação da saúde do trabalhador: trabalhar menos, render mais!

Nos últimos anos, o debate sobre a jornada de trabalho deixou de se concentrar apenas no cumprimento formal do horário e passou a incorporar com maior vigor aspectos de saúde ocupacional, fadiga, bem-estar e qualidade de vida no trabalho.

A partir dessa perspectiva, a redução da jornada — seja por meio de contratos menores, turnos mais curtos ou escalas alternativas — ganha relevância como instrumento de prevenção em saúde do trabalhador.

Este artigo busca analisar esse mecanismo sob dois ângulos: (i) o da saúde e medicina do trabalho, no que tange à fadiga, riscos e normas; (ii) o da empregadora, detalhando as vantagens estratégicas, operacionais e econômicas.

Na sequência, será explorado o contrato a tempo parcial como meio hábil para instituir jornadas menores, remuneração proporcional e flexibilidade.

A jornada de trabalho, fadiga e saúde do trabalhador

Conceitos e normativos

A norma constitucional brasileira estabelece, no art. 7º, XIII da Constituição Federal de 1988, que a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultadas à compensação de horários e à redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

O diploma infralegal da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também disciplina a duração da jornada, horas extras, intervalos, etc.

No regime de tempo parcial, dispõe o art. 58-A da CLT que se considera trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda 30 horas semanais, sem possibilidade de horas suplementares, ou ainda aquele cuja duração não exceda 26 horas semanais, com possibilidade de até 6 horas suplementares semanais. Tal normatização já abre espaço para pensar jornadas menores, e, por conseguinte, para a temática da prevenção de fadiga e adoecimento.

Fadiga, jornada excessiva e riscos para a saúde

O prolongamento da jornada ou a intensificação dela (mais horas, menor descanso, turnos noturnos ou rotativos) têm correlações documentadas com fadiga, síndrome de burnout, acidentes de trabalho, transtornos de sono, alterações metabólicas, entre outros problemas de saúde.

Por exemplo, em revisão integrativa no Brasil foi identificado que “o trabalho em turnos prolongados, assim como o trabalho noturno e rotativo, pode causar prejuízos substanciais à saúde dos trabalhadores, pois altera a regulação interna do ciclo circadiano … causando mal‐estar, fadiga, alteração no humor, sonolência, sintomas depressivos, irritabilidade, ansiedade e dores musculares”. (Revista Brasileira de Medicina)

Outro estudo salienta que “quanto mais tempo o trabalhador ficar à disposição do empregador, a sua qualidade de vida vai reduzindo, e com isso pode adquirir várias doenças ocupacionais correlacionadas com todo esse tempo disponível à empresa”. (Eumed1)

Adicionalmente, notícia recente aponta que uma semana de trabalho de quatro dias (redução de jornada) em diferentes países trouxe menos fadiga, melhor qualidade do sono e mais saúde física e mental.

Esses achados reforçam que a jornada de trabalho — tanto em termos de duração quanto em termos de ritmo e descanso — é fator determinante para a saúde do trabalhador.

Por que a redução da jornada ajuda na prevenção da fadiga

Com base na literatura, os mecanismos pelos quais a redução da jornada favorece a saúde são os seguintes:

• Menor tempo de exposição contínua ao trabalho e, portanto, menor acúmulo de fadiga física e mental.

• Maior período disponível para recuperação adequada (sono, repouso, convívio social/familiar), o que diminui o risco de “excesso de trabalho à disposição” do empregador, identificado como fator de adoecimento.

• Redução de horas extras ou jornadas longas que são associados ao aumento de acidentes de trabalho, erros, adoecimentos.

• Possibilidade de escalas mais “humanizadas”, considerando turnos mais curtos, intervalos intrajornada, pausas apropriadas — o que se mostra especialmente relevante para trabalho em turnos.

• Melhoria da qualidade de vida do trabalhador, o que tende a refletir-se em menor absenteísmo, maior engajamento, menor rotatividade.

Evidências empíricas

A revisão “Redução da jornada de trabalho e qualidade dos empregos” mostra que jornadas mais equilibradas favorecem a saúde física e mental, reduzem os afastamentos por problemas de saúde e elevam os índices de produtividade por unidade de trabalho.

Estudo recente junto a quase 3.000 trabalhadores em diversos países demonstrou que a semana de quatro dias reduziu o esgotamento (burnout), a fadiga, melhorou o sono e aumentou a satisfação no trabalho.

No Brasil analisa-se que a escala 6×1 (trabalhar seis dias seguidos para descansar apenas um) acentua riscos de fadiga crônica, insônia e doenças cardiovasculares.

Esse conjunto evidencia que, do ponto de vista da saúde do trabalhador, a redução da jornada é medida que se insere como estratégia preventiva no modelo de vigilância e promoção da saúde ocupacional.

Relação com a saúde e ergonomia

Do ponto de vista da saúde do trabalhador, a adoção de jornadas reduzidas ou parciais permite:

• Menor exposição ao desgaste físico e mental contínuo.

• Melhor compatibilidade com pausas, intervalos, descanso intrajornada/interjornada.

• Possibilidade de escalas que favoreçam descanso mais adequado, evitando exaustão por trabalho prolongado ou em turnos inadequados.

• Potencial de menores custos com afastamentos, doenças ocupacionais, acidentes — o que também repercute na gestão de pessoas e de riscos da empresa.

Aspectos práticos e jurídicos da redução da jornada no Brasil

Jornada “normal” e limites legais

Como mencionado, a Constituição e a CLT fixam o limite convencional de oito horas diárias / 44 horas semanais, salvo previsão em acordo ou convenção. A jornada pode ser objeto de acordo de compensação, banco de horas, escalas especiais (turnos) etc.

Importante destacar que a intensificação da jornada (mais horas, menos pausas, turno noturno) se associa diretamente ao desgaste do trabalhador. A redução da jornada normal (ou efetiva) exige análise de gestão de pessoal, direito coletivo e individual, além de efeitos sobre a produtividade e a estrutura da empresa.

Jornada parcial (contrato a tempo parcial)

O regime de tempo parcial, previsto no art. 58-A da CLT, permite contratos com duração semanal de até 30 horas semanais sem horas extras, ou até 26 horas semanais com até 6 horas suplementares semanais.

Nessa modalidade, o salário deve ser proporcional à jornada dos empregados em tempo integral que exerçam funções idênticas. Além disso, há manutenção proporcional dos direitos (FGTS, 13º, férias etc.).

Cuida-se, portanto, de modalidade contratual legítima para instituir jornadas menores para empregados — o que pode se alinhar ao objetivo de prevenção de fadiga e promoção da saúde.

Condições para adoção e cuidados jurídicos

Para que a redução da jornada (especialmente via tempo parcial) seja juridicamente segura, devem ser observados diversos aspectos:

• A duração semanal pactuada (ex: até 30 h ou até 26 h).

• A vedação ou limitação de horas extras conforme o art. 58-A da CLT (vedação para até 30 h; permitidas até 6 extras se até 26 h semanais).

• Salário proporcional, observado o piso ou salário mínimo proporcional.

• Contrato escrito, com estipulação clara de jornada, remuneração, possibilidade ou não de horas extras.

• Cuidado para que a adoção do regime não caracterize precarização (por exemplo: jornada reduzida com funções idênticas, sem correspondência de salário ou direitos).

• Em relação à conversão de regime (tempo parcial para integral ou vice-versa), observar a necessidade de pacto coletivo ou cláusula em norma coletiva, conforme o caso.

Vantagens para o empregador da redução da jornada

Sob o prisma empregador, a redução da jornada — quando bem planejada — traz múltiplas vantagens estratégicas, operacionais e econômicas. A seguir, algumas delas:

Criação de novos turnos e geração de oportunidades de emprego

Ao reduzir a jornada de cada trabalhador, a empresa pode distribuir a carga horária por mais pessoas ou reorganizar os turnos. Isso significa: mais trabalhadores contratados, o que pode gerar maior flexibilidade operacional, cobertura ampliada de turnos e melhor atendimento ao cliente/usuário.

Reduzir jornada tem relação direta para viabilizar novos postos de emprego, contribuindo decisivamente para a redução das desigualdades sociais.

Com mais colaboradores, a empresa ganha em elasticidade para escalas, se torna mais adaptável a variações de demanda e pode melhorar o atendimento ou produção.

Trabalhadores mais dispostos, melhor desempenho

Menor jornada tende a gerar trabalhador mais descansado, menos fatigado, mais motivado — o que repercute positivamente em qualidade, produtividade, menor erro, menor rotatividade. A pesquisa internacional que apontou menos fadiga e melhora no sono correlacionou-se também a melhor desempenho. (Jornal de Negócios).

Para o empregador, isso significa menor custo de falhas, menor absenteísmo, menor desgaste de supervisão e maior eficiência.

Maior flexibilidade e opções na montagem de escalas

Com jornadas reduzidas ou divisão em mais turnos, a empresa consegue:

• Atender por mais horas (ex: abertura mais cedo, encerramento mais tarde, dias de menor pessoalidade).

• Alterar escalas com menos impacto sobre cada trabalhador individualmente.

• Implementar turnos mistos, revezamento com melhor descanso, alternância que mitigue fadiga.
Essa flexibilidade pode ser particularmente valiosa em setores com funcionamento contínuo ou demandas variáveis.

Eliminação ou redução de custos com horas extras

Uma das maiores fontes de custo e passivo trabalhista é a prorrogação de jornada e o pagamento de horas extras ou adicionais. Ao reduzir a jornada normal, a empresa pode minimizar a necessidade de horas extras, que geram adicional de pelo menos 50%.

Menos horas extraordinárias também significam menos risco de passivo por jornada irregular, menos desgaste operacional, menos supervisão de banco de horas.

Assim, há economia direta (pagamento de horas extras) e indireta (menos supervisão, menor litígio, melhor clima laboral).

Melhor imagem institucional e engajamento dos empregados

Empresas que se preocupam com a saúde e bem-estar dos trabalhadores tendem a ter melhor atração e retenção de talentos, menor turnover, melhor clima organizacional. Isso impacta positivamente a produtividade, qualidade e reputação. A adoção de modelos de jornada reduzida pode ser elemento de diferenciação competitiva.

Risco reduzido de afastamentos, passivos e custos com saúde ocupacional

Menos fadiga e melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional reduzem o risco de adoecimentos, doenças ocupacionais, afastamentos por incapacidade, acidentes — o que repercute em menor custo com seguros, com benefícios, com substituições.

Como aplicar estrategicamente a redução da jornada com mecanismo do tempo parcial

O contrato a tempo parcial como instrumento

Como visto, o contrato em regime de tempo parcial (art. 58-A CLT) permite jornadas inferiores (até 30 h/semana ou até 26 h com suplementares). Ele se mostra um instrumento privilegiado para instituir jornadas menores, com remuneração proporcional e direitos proporcionais.

Para o empregador, isso significa poder contratar para atividades que não necessitem da jornada integral, ou dividir parte da carga horária entre mais pessoas, o que pode facilitar a aplicação das vantagens apontadas no item anterior.

Para o trabalhador, há benefício em termos de conciliação, menor desgaste, possibilidade de combinar com estudo, outra atividade, etc.

Etapas recomendadas para implementação

Mapeamento operacional: identificar funções ou áreas em que a jornada integral pode ser reduzida ou dividida, funções que podem operar em turnos menores ou com cobertura por mais pessoas.

Dimensionamento de escalas: avaliar a viabilidade de novos turnos ou dividir a jornada, com cobertura adequada e sem perdas operacionais.

Análise da saúde ocupacional: avaliar cargas de trabalho atuais, níveis de fadiga, absenteísmo, acidentes, e projetar efeitos esperados da redução.

Contratação ou adaptação contratual: adotar ou migrar para regime de tempo parcial para os postos selecionados, observando o art. 58-A e demais requisitos legais.

Formalização contratual: contrato escrito, com jornada, remuneração proporcional, direitos e vedação ou limitação de horas extras, se aplicável.

Monitoramento e avaliação: acompanhar indicadores como fadiga, saúde dos trabalhadores, desempenho, custos de horas extras, absenteísmo e rotatividade. Ajustar escalas conforme necessário.

Comunicação interna: envolver trabalhadores, esclarecer benefícios, implicações, e garantir que seja percebido como medida de valorização e saúde — não meramente de redução de custo.

Integração com saúde do trabalhador: coordenar com o serviço de medicina do trabalho ou CIPA, para acompanhamento dos efeitos da jornada reduzida (menos fadiga, melhor descanso, menor risco de doenças ocupacionais).

Cuidados jurídicos e de conformidade

• Garantir que o salário proporcional não fique abaixo do piso ou salário mínimo proporcional, conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

• Atentar para a vedação de prestação de horas extras se a jornada semanal for até 30 h, ou limitar a 6 horas suplementares se for até 26 h.

• Verificar instrumentos coletivos ou convenções da categoria que possam ter regras específicas sobre jornada parcial ou escalas.

• Risco de precarização: se o regime parcial for usado para funções que exigem jornada integral, poderá haver questionamento. Vigiar para que redução seja operacionalmente justificável.

• Estar atento à fiscalização e à jurisprudência que possam entender que, embora conste contrato parcial, a efetiva jornada ultrapasse ou se utilize banco de horas de modo abusivo, o que poderia levar à requalificação.

Síntese das recomendações para empregadores e aplicações práticas

Diagnóstico: priorize áreas onde há fadiga, absenteísmo ou horas extras elevadas.

Estratégia de jornada reduzida: considere dividir turnos, adotar escalas menores, migrar para contrato parcial.

Benefícios para saúde: menos fadiga, melhor desempenho, menor risco de acidentes/doenças. Para empregador: menor custo de horas extras, melhor produtividade, maior flexibilidade.

Contratação parcial: ferramenta legal para jornada menor, pagamento proporcional, flexibilização.

Gestão eficaz: monitore indicadores de saúde, desempenho e custo; ajuste escalas; comunique com clareza.

Conformidade jurídica: observe CLT, lei 13.467/2017, art. 58-A, vedação de horas extras, proporcionalidade salarial, contrato escrito, normas coletivas.

Cultura de saúde e bem-estar: a jornada reduzida não é apenas corte de horas, mas parte de uma abordagem mais ampla de prevenção em saúde do trabalhador — com ergonomia, pausas, descanso, escala bem-planejada, ambiente saudável.

Considerações finais

A redução da jornada de trabalho, longe de ser mera reivindicação sindical ou luxo, revela-se como estratégia de prevenção em saúde do trabalhador, especialmente no contexto de fadiga, exaustão, turnos e jornadas prolongadas.

Para o empregador, quando bem elaborada, representa oportunidade para reorganizar a estrutura de trabalho, gerar novos empregos, melhorar o desempenho, minimizar custos com horas extras e afastamentos, e fortalecer a imagem institucional.

O contrato a tempo parcial desponta como mecanismo jurídico adequado para concretizar jornadas menores, com remuneração proporcional e flexibilidade.

Por fim, cabe lembrar que a jornada reduzida não é medida isolada — ela deve vir acompanhada de pausas adequadas, turnos bem organizados, política de saúde ocupacional, treinamento, monitoramento de fadiga e escala compatível com descanso. Assim, estará de fato contribuindo para a saúde dos trabalhadores e para o desempenho sustentável da organização.

Referências

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